Após quase dois anos de angústia e perseguição, adolescentes são inocentados em um dos países mais perigosos para os cristãos
Eles tinham 18 e 14 anos, respectivamente, quando foram presos em maio de 2023, acusados de desrespeitar figuras sagradas do islamismo em Lahore, capital da província de Punjab.
Acusação infundada e clima de terror
Segundo o advogado de defesa, Naseeb Anjum, o processo começou a partir de uma disputa banal entre vizinhos, que rapidamente escalou para um caso de blasfêmia após o acusador alegar que os adolescentes zombaram do profeta Maomé.
“Sohail os acusou de estarem rindo e desrespeitando o profeta Maomé, mas os meninos negaram categoricamente”, disse Babar Sandhu Masih, pai de Adil.
Ainda segundo o pai, nenhuma prova foi apresentada, e o acusador teria inventado a história após não conseguir convencer outros moradores da vizinhança. Mesmo assim, a polícia invadiu a casa dos jovens durante a noite e os prendeu sem qualquer apuração detalhada.
“Sohail alegou que Simon teria chamado um filhote de cachorro de ‘Muhammad Ali’ e que os dois riram disso”, relatou Masih.
“Não havia cachorros na rua naquele momento. Sohail inventou uma acusação falsa depois que não conseguiu convencer os vizinhos”, acrescentou.
Processo cheio de abusos
Inicialmente, os adolescentes foram indiciados sob a Seção 295-C do Código Penal paquistanês, que prevê pena de morte obrigatória para insultos ao profeta do islamismo. Também foram aplicadas as Seções 298-A e 295-A, que preveem prisão perpétua ou até 10 anos de reclusão por ofensas a figuras religiosas.
“O juiz admitiu que a acusação não justificava a invocação das Seções 295-C e 298-A e ordenou que a polícia alterasse a acusação para a Seção 295-A”, explicou o advogado Anjum.
Apesar da mudança na tipificação do crime, o processo se arrastou por quase dois anos. Os jovens só foram libertos por decisões judiciais que permitiram fiança provisória. E mesmo com a fragilidade das acusações, o risco de morte e linchamento era real. As famílias precisaram deixar o bairro e viver em local desconhecido, sob constante ameaça.
“O tribunal aceitou nosso argumento e absolveu os réus”, declarou o advogado após a decisão histórica.
Um retrato da perseguição
O caso de Adil e Simon não é isolado. O Paquistão ocupa a 8ª posição na Lista Mundial da Perseguição 2025, da organização Portas Abertas, sendo um dos países mais perigosos para cristãos. As leis de blasfêmia, muitas vezes usadas como instrumento de vingança pessoal ou opressão religiosa, têm deixado um rastro de medo e injustiça.
De 1987 até 2024, pelo menos 2.793 pessoas foram formal ou informalmente acusadas de blasfêmia. Nesse período, 104 delas foram assassinadas de forma extrajudicial, segundo dados do Human Rights Observer. Só em 2024, já foram registrados 344 novos casos, segundo o Center for Social Justice.
“Há uma necessidade urgente de mudanças nos procedimentos de apuração de casos de blasfêmia, para proteger vítimas inocentes, como esses meninos, que enfrentam processos por anos”, alerta o advogado Anjum.
Esperança em meio à dor
A absolvição de Adil e Simon é uma rara e preciosa vitória para a comunidade cristã paquistanesa, e deve servir como grito de alerta para o mundo sobre as violações de direitos humanos cometidas sob o pretexto da religião.
Para os familiares, a decisão do juiz Sohail Rafique representa um alívio, mas não apaga o trauma. Ainda assim, eles celebram a liberdade e a restauração da justiça — e reafirmam a fé que os sustentou durante todo o processo.
Oremos por todos os cristãos perseguidos e pelas reformas necessárias no sistema judiciário paquistanês, para que vidas inocentes não sejam mais destruídas pela intolerância.