Em uma história marcada por fé inabalável, coragem diante da violência e compromisso com a transformação de comunidades inteiras, o casal Guilherme e Maria Kley se tornou símbolo do avanço das Assembleias de Deus no Brasil. Naturais do Espírito Santo, eles foram protagonistas de uma missão que ultrapassou os limites da evangelização tradicional: juntos, fundaram mais de 200 igrejas em diversas regiões do país.
“Ele era muito respeitado por onde passava. Tinha orgulho de ser pastor e de construir igrejas. Não conheci outro pastor que tenha edificado tantas quanto ele”, relembra Maria, em entrevista à revista Comunhão.
Um legado que ultrapassa os púlpitos
A atuação do pastor Guilherme não se restringiu à construção de templos ou pregação do Evangelho. Seu nome passou a integrar o mapa de municípios capixabas, com ruas batizadas em sua homenagem — como a Rua Guilherme Eugênio Kley, em Cachoeiro de Itapemirim, e a Rua Pastor Guilherme Kley, no centro de Fundão.
Seu trabalho foi tão impactante que chegou à esfera política: eleito vereador em Fundão, Guilherme preferiu abrir mão do cargo para continuar se dedicando integralmente à obra missionária. Era, segundo os que o conheceram, um homem totalmente entregue ao propósito de servir.
Além das igrejas, duas escolas fundadas por ele ainda funcionam na região, evidenciando o compromisso social do casal com a educação e o desenvolvimento das comunidades onde atuaram.
Nos bastidores da missão, uma mulher de fé
Enquanto Guilherme liderava o crescimento das igrejas, Maria, sua esposa, era o coração acolhedor da missão. Sem ocupar o púlpito, foi essencial para o cuidado dos novos convertidos, oferecendo discipulado, hospitalidade e apoio emocional.
“Eu não era de pregar, mas cuidava dos congregados. Quando chegava um recém-convertido, eu acompanhava, ajudava, levava para minha casa, partilhava o pão. Era uma época muito boa”, relata Maria, vivendo na prática o que ensina Romanos 12:13: “Comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade.”
Sensibilidade espiritual e zelo pastoral
Com um olhar aguçado para os detalhes da caminhada cristã, Maria recorda um episódio emblemático. Certa vez, ao perceber que um irmão da igreja havia trocado a tradicional saudação “A paz do Senhor” por um simples “boa tarde”, ela soube que algo não estava bem.
“Fui atrás dele, conversei e falei: ‘Irmão, o senhor está se desviando, não deu a paz do Senhor’. Fiquei ali com ele, conversando um pouco, e depois voltei para casa”, disse. A intuição se confirmou: naquela mesma noite, o homem voltou a ler a Bíblia. O gesto simples, mas cheio de cuidado, refletia a essência de Gálatas 6:1 — corrigir com mansidão e amor.
Provação, agressão e um testemunho de perdão
A trajetória do casal também foi marcada por momentos de extrema provação. Em uma Sexta-feira da Paixão, ao assumirem uma congregação em uma área carente, sem água ou luz, foram atacados durante uma oração. Um homem armado com uma ripa de madeira atingiu Maria no rosto, fazendo-a desmaiar.
Mesmo ferida, ela relata ter sentido a presença divina. “Foi doloroso, mas eu não senti dor. Deus me sustentou”, contou. O mais surpreendente veio depois: Guilherme foi à delegacia pedir a soltura dos agressores. “Eles tinham filhos e precisavam de uma nova oportunidade”, justificou. O gesto tocou os corações — e os homens envolvidos posteriormente se converteram.
A história ilustra vividamente as palavras de Jesus em Mateus 5:44: “Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem.”
Uma jornada feita de fé, amor e esperança
Ao longo dos anos, Maria acompanhou o esposo em visitas pastorais, levando consolo e palavras de fé aos lares que visitavam. “Era maravilhoso quando fazíamos as visitas juntos. Sempre levávamos uma palavra de fé e ânimo”, lembra, com brilho nos olhos.
O pastor Guilherme encerrou oficialmente seu ministério pastoral em 1978, mas nunca deixou de servir. Hoje, aos 96 anos, Maria carrega a memória viva de uma jornada que impactou centenas de vidas.
“Passamos por muitos momentos difíceis, mas enfrentamos tudo com amor. Foi uma bênção fazer a obra de Deus com alegria”, afirma. E conclui, emocionada: “O que me alegra é saber que muitas vidas foram salvas por meio do trabalho do pastor Guilherme – e eu tive o privilégio de estar ao lado dele. Sou feliz até hoje.”